Portugal: Escândalo de corrupção obriga primeiro-ministro a demitir-se

Em No cargo desde 2015 e triunfalmente reeleito no ano passado, o primeiro-ministro português António Costa, uma das principais figuras da social-democracia na Europa, renunciou na terça-feira, 7 de novembro. Ele foi manchado por um escândalo de corrupção em larga escala envolvendo a concessão de contratos de energia.

“As funções de Primeiro-Ministro não são compatíveis com qualquer suspeita quanto à minha integridade. Nestas circunstâncias, apresentei a minha demissão ao Presidente da República.”ele disse na terça-feira no final de um dia eletrizante em Lisboa, capital portuguesa, marcado por nada menos que 43 incursões policiais contra prédios governamentais e casas de parentes de António Costa.

António Costa, 62 anos, cujo pai é natural de Goa, na Índia, o que o torna um dos poucos líderes mestiços na Europa, também afirmou ser inocente: Estou em paz com minha consciência, não apenas em relação aos atos ilegais, mas também aqueles que são repreensíveis.”

Não é de estranhar que o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, antigo militante do Partido Social Democrata (PSD, direita), tenha aceitaram A renúncia de Costa na terça-feira. Nesta quarta-feira, 8 de novembro, ele se reunirá ao longo do dia com os líderes de todos os partidos representados na Assembleia, antes de realizar um “conselho de estado” na quinta-feira, que reunirá os principais líderes do país, para ajudá-lo a tomar sua decisão.

António Costa após anunciar a sua demissão em Lisboa, 7 de novembro de 2023. © Foto Ana Brigida / AP via Sipa


O chefe de Estado tem, se nos atermos à Constituição, duas opções: a designação de um novo primeiro-ministro do Partido Socialista (PS), apoiado pela maioria socialista absoluta na Assembleia – o nome do antigo presidente da Câmara de Lisboa e ministro das Finanças cessante, Fernando Medina, circula –, ou a convocação de novas eleições, sem dúvida a partir de janeiro próximoA primeira opção parece muito improvável, dada a intensidade do escândalo em curso, mas também o grau de personalização, em torno da figura de Costa, da política governamental durante anos.

Até às próximas eleições prováveis, Costa permanecerá como primeiro-ministro no cargo. Ele poderia, portanto, ainda supervisionar a difícil aprovação do orçamento para 2024, que – um verdadeiro símbolo para esta social-democracia que também irritou os seus antigos parceiros de esquerda – era permitir para levar a dívida portuguesa, pela primeira vez em muito tempo, abaixo da marca dos 100% do produto interno bruto (PIB). “Não vou concorrer novamente para ser primeiro-ministro, esta fase da minha vida acabou”evacuou o líder socialista na terça-feira à noite.

Na terça-feira à noite, as declarações de uns e de outros, perante este terramoto político português, tinham o aspeto do início de uma campanha. O conservador Luís Montenegro, à frente do PSD, jogou : “A corrupção administrativa e política não é inevitável, assim como os níveis sufocantes de impostos não o são”enquanto André Ventura, líder do partido de extrema-direita Chega, disse para si mesmo “pronto para ser a alternativa.” Do lado do PS, em ” Estado de choque “ de acordo com diário Públicoprimárias poderiam ser organizadas para definir a sucessão de Costa.

Minas de lítio

A investigação que levou à renúncia do chefe de governo diz respeito a suspeitas de “peculato, corrupção ativa e passiva de titulares de cargos políticos e tráfico de influência” na atribuição de concessões de exploração de lítio e produção de hidrogênio.

O Ministério Público investigou um projeto de produção de energia verde a partir de hidrogénio e um projeto de centro de dados (liderado pela empresa Start Campus), ambos localizados em Sines, a sul de Lisboa, bem como duas licenças de exploração de mineração de lítio no norte do país.

Apelidado de “ouro branco”, o lítio é um mineral essencial para a fabricação de baterias, principalmente para carros elétricos, e está listado pela União Europeia desde 2020 como matéria-prima em risco de escassez. Como o norte de Portugal abriga as maiores reservas de lítio da Europa, os pedidos de licenças de prospecção aumentaram nos últimos anos.

Para a chamada mina Romano, perto de Montalegre, a concessão para exploração de lítio foi outorgada à empresa portuguesa Lusorecursos por um período de cinquenta anos e por um contrato estimado em cerca de 380 milhões de euros. No entanto, a Lusorecursos não é a mesma empresa que originalmente ganhou o contrato de prospecção. Esta estranha contradição deu origem a suspeitas de favoritismo em relação a ela.

João Pedro Matos Fernandes, antigo ministro do Ambiente e da Ação Climática, e João Galamba, então secretário de Estado do Ambiente e atual ministro das Infraestruturas, deram luz verde ao projeto Lusorecursos, defendendo que era essencial para a transição energética. Já Jorge Costa Oliveira, antigo secretário de Estado da Internacionalização e próximo de António Costa, foi contratado pela firma como consultor financeiro.

Primeira página do jornal diário Público: “Uma maioria sem primeiro-ministro”.


No cerne deste escândalo está também a concessão de exploração da mina de lítio do Barroso, no concelho rural de Boticas. A licença foi atribuída à Savannah Resources, uma empresa britânica que quer desenvolver a maior mina de lítio a céu aberto da Europa em aproximadamente 600 hectares.

Este megaprojeto tem sido alvo de forte resistência local há cinco anos, que se espalhou para o movimento ambientalista português. Os oponentes denunciam, entre outras coisas, a poluição das águas subterrâneas e a destruição de terras causadas pela extração de lítio em nome do crescimento verde.

O território do Barroso foi classificado em 2018 pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) como um “sistema de património agrícola de importância global”. Nesta região montanhosa, os habitantes vivem principalmente da criação de gado e da agricultura de subsistência, apoiando-se no cultivo sustentável de terras comunais (as baldios) e na gestão coletiva dos recursos hídricos.

Outros escândalos de corrupção

A investigação em curso levou, nesta fase, à acusação do chefe de gabinete de António Costa, Vítor Escária, que é também um dos seus associados mais próximos, e do Ministro Galamba. Durante esta investigação, “O nome e a autoridade do Primeiro-Ministro também foram citados pelos suspeitos.”autoridades disseram na terça-feira, 7 de novembro, o que levou à renúncia do chefe do governo. Costa é suspeito de ter intervindo “para desbloquear procedimentos”.

Sem voltar aos casos de corrupção da era José Sócrates, o último governo Costa foi enfraquecido por outros casos envolvendo suspeitas de corrupção e nepotismo. Em particular, o escândalo relacionado à companhia aérea TAP, quando uma de suas diretoras, Alexandra Reis, recebeu uma indenização de 500 mil euros em um momento em que a empresa estava realizando uma grande reestruturação e impondo um corte salarial aos seus funcionários. Poucos meses depois, ela se tornou secretária de Estado adjunta ao Ministério das Finanças. Mais de uma dezena de ministros e secretários de Estado já haviam deixado seus cargos, mas Costa, embora enfraquecido, não desistiu.

Em tribuna no diário espanhol O país Nesta quarta-feira, o sociólogo português André Freire analisa a saída de Costa: “Este é um ato de grande dignidade política. O Primeiro-Ministro não tinha demonstrado o mesmo nível de exigência no passado. Quando surgiram casos de suspeita de corrupção e tráfico de influência em 2022 […]as renúncias foram forçadas pelas circunstâncias, não foram provocadas pelo primeiro-ministro. Desta vez, quando o topo da pirâmide foi afetado, a decisão foi inevitável.

A renúncia surpreendente de Costa também representa um terremoto para a esquerda social-democrata no continente, poucos meses antes das eleições europeias em junho de 2024. Costa, uma vez mencionado como um possível sucessor do belga Charles Michel à frente do Conselho Europeu em Bruxelas, foi um dos dois únicos líderes social-democratas no continente a poder contar com maioria absoluta na Câmara, junto com Robert Abela, do Partido Trabalhista Maltês.

Nicole Leitão

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