Vamos partir de um ponto de vista de princípios: um homem não deve – desde que tenha decência – decidir sobre o direito da mulher de dispor de seu corpo, especialmente no caso de um aborto. Continuemos com uma sugestão, dirigida aos juízes do Supremo Tribunal dos Estados Unidos, que neste momento debatem a questão: ir à exposição de Paula Rego no Museu Picasso de Málaga, Espanha.
Nascida em Lisboa em 1935, Rego estudou arte no Reino Unido com o apoio do pai. Engenheiro, mas também antifascista, liberal e anticlerical num país que não o era, este descobriu que Portugal, sob a ditadura de Salazar, não era o local ideal para o desenvolvimento de uma jovem. Eles aprenderam principalmente a submissão. Em um filme para a BBC (Paula Rego, Segredos e Histórias, 2017) a ela dedicada pelo filho, o diretor Nick Willing, Paula Rego conta que era uma mulher sem autoconfiança, tímida, obediente e profundamente deprimida.
A arte a salvou parcialmente. Ele ensinou entre 1952 e 1956 na Slade School of Fine Art em Londres. Ela não se encanta com o programa, escondendo-se atrás dos moldes de imagens antigas que tem que reproduzir para pintar – já – à sua maneira. Isso lhe valeu o primeiro prêmio de sua promoção, um prêmio de verão do qual, em retrospecto, aquele que foi enobrecido pela rainha Elizabeth admite estar mais orgulhoso. Porque os outros artistas iniciantes em sua escola, ela diz, eram todos excelentes.
Contra a moral e o preconceito
Entre eles está um homem bonito, brilhante e engraçado, Victor – conhecido como “Vic” – Willing (1928-1988). Ele é a estrela da oficina: já fez uma exposição na Hanover Gallery, que também conta com seus amigos Francis Bacon e Lucian Freud. Quando eles se conhecem, em um baile da escola, ele pede que ela tire a calcinha. Em Portugal, eles — sua mãe e sua avó — a ensinaram a obedecer aos homens, mesmo que, e fossem, casadas com outro. Ela obedece, ele a “fode” – a palavra é dela – e volta para o seu negócio. Ele não vai se casar com ela até anos mais tarde. Cabe a ela, e muitas outras vezes, livrar-se do fardo deixado para aquela que era então uma menina muito jovem que estava no escuro sobre essas coisas. Um médico, ou suposto, cuida disso em casa. Um ou um “anjomaker”, como diziam então.
Os juízes da Suprema Corte dos EUA, portanto, se beneficiariam muito ao olhar para as pinturas que inspiraram esses sucessivos abortos na artista – foram muitas, até que, contra a moral e os preconceitos de seu tempo, ela decidiu ser mãe. filha e criar filhos. São tão pungentes, tão duras, e mostram as mulheres necessitadas, acentuadas pelo aspecto sórdido das circunstâncias da operação, que se manifestaram em Portugal quando o país discutia uma lei destinada a matar clandestinos impedir abortos, que, na opinião do ex-Presidente da República Portuguesa Jorge Sampaio (1939-2021), tiveram uma influência decisiva no voto que a legalizou… em 2007.
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