Lisboa – Denunciante na origem das revelações do “Football Leaks”, Rui Pinto admitiu e lamentou ter obtido esta informação graças a intrusões informáticas ilegais realizadas com “um grupo de amigos”, segunda-feira no início do seu depoimento perante um tribunal de Lisboa .
Julgado desde setembro de 2020 por atos de pirataria informática e tentativa de extorsão, o português de 33 anos iniciou o interrogatório contando como teve a ideia, no verão de 2015, de publicar na internet documentos confidenciais sobre o negócio do futebol abaixo .
“Estava em Praga com os amigos que iam fazer parte do +Football Leaks+. Estávamos bebendo cerveja e conversando sobre futebol, o caso de corrupção da FIFA, que foi muito divulgado na época, e também as montagens ligadas ao +Terceiro propriedade do partido + (um mecanismo de propriedade de terceiros para os direitos esportivos dos jogadores de futebol, nota do editor) e fundos de investimento”, explicou.
Questionado pelo juiz-presidente sobre como obteve os documentos que ia então tornar públicos, o jovem respondeu que foi “através de acesso ilegítimo”.
“As primeiras, nem fui eu que as fiz. Mas a informação foi-me transmitida e revelou práticas questionáveis”, acrescentou. Caso se recusasse a identificar as pessoas com quem trabalhava, Rui Pinto especificou que o primeiro alvo destes ciberataques tinha sido o clube Sporting Portugal.
– “O crime não compensa” –
Rui Pinto responde a 89 actos de pirataria informática, que vão desde a quebra de correspondência ao furto de dados e que terá cometido contra o Sporting, o fundo de investimento Doyen Sports, a Federação Portuguesa de Futebol, uma grande empresa de consultoria, advogados e até Ministério Público português.
Ele também está sendo julgado por tentativa de extorsão, crime punível com prisão de dois a dez anos.
Segundo a acusação, o “hacker” queria chantagear o patrão da Doyen, o português Nélio Lucas, exigindo entre 500 mil e um milhão de euros para deixar de publicar documentos comprometedores para este fundo sediado em Malta e controlado por irmãos de oligarcas cazaques-turcos .
“Fiquei indignado com o que descobri e decidi tornar público. (…). Nunca fiz nada pelo dinheiro”, disse em um breve comunicado. no início do julgamento.
Na segunda-feira, ele reafirmou que suas revelações “trouxeram grandes benefícios à sociedade”, ao mesmo tempo em que lamentava o uso de práticas ilegais.
“Aprendi que o crime não compensa, mesmo quando as intenções são boas. Se eu soubesse o que sei hoje, não teria feito o que fiz. Minha vida está de cabeça para baixo”.
Última etapa antes das alegações finais, seu interrogatório abre caminho para a conclusão do julgamento, mas corre o risco de continuar por várias sessões.
– Cooperação “eficaz” –
Rui Pinto passou mais de um ano em prisão preventiva na sequência da sua detenção na Hungria em janeiro de 2019. Desde então, tendo concordado em cooperar com as autoridades noutros casos, é simultaneamente arguido e testemunha protegida.
Rui Pinto “coopera de forma eficaz e relevante”, ao permitir às autoridades o acesso a uma massa de dados encriptados contendo documentos inéditos na sua posse em Budapeste, testemunhou o diretor nacional da polícia judiciária, Luis Neves, ouvido pelo tribunal em maio 2021.
Depois de fazer as suas primeiras revelações num site que chamou de “Football Leaks”, Rui Pinto confiou a partir de 2016, sob o pseudónimo de João, milhões de documentos a um consórcio de meios de comunicação social europeus que revelavam mecanismos de evasão fiscal, suspeitas de fraude e corrupção envolvendo alguns dos os maiores clubes e jogadores.
Estas revelações levaram a ajustes fiscais e à abertura de processos judiciais em vários países europeus. Atualmente, Rui Pinto está também a cooperar com as autoridades francesas.
Os portugueses também estão por trás do “Luanda Leaks”, uma investigação publicada em janeiro de 2020 que acusa a empresária angolana Isabel dos Santos, filha do ex-presidente José Eduardo dos Santos, de ter acumulado fraudulentamente uma fortuna estimada em quase 2 bilhões de euros.
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