Colóquio Internacional de Literatura Clássica e Comparada (Universidade de Lisboa, Portugal)

Encontro internacional

O silêncio de Deus(es)

Centro de Estudos Clássicos, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (Portugal)

23 a 24 de novembro de 2023

Chamada de Artigos

Em 1951, John Cage entrou numa câmara anecóica da Universidade de Harvard em busca do silêncio absoluto. Logo depois, saiu com a certeza de que o silêncio não existe: “Não existe silêncio. Sempre acontece alguma coisa que faz barulho”, escreveu em 1954 em 45′ para um Speaker (1961, 191). E três anos depois acrescentaria: “há sempre algo para ver, algo para ouvir” (1961, 8). Se aceitarmos a validade desta experiência, ela revela-nos que o silêncio completo não pode ocorrer enquanto houver um ouvido atento. Mas a lei subjacente da física, que poderia ser resumida na fórmula “se existe vida e matéria, existe vibração”, é enriquecida com outras ressonâncias que vão além do domínio da objetividade científica. É precisamente este ir além que Susan Sontag enfatiza na experiência visual, desenvolvendo a reflexão de Cage: “Enquanto o olho humano estiver olhando, há sempre algo para ver. Olhar para algo ‘vazio’ ainda é olhar, ainda ver algo – mesmo que seja apenas o fantasma das suas próprias expectativas” (Sontag 1969, 10).

Mas a experiência de Cage também nos diz algo mais sobre o silêncio e a sua relação com a subjetividade: que o que chamamos de “silêncio” é uma percepção relativa (ou uma falta de percepção), que é definido em relação a um sistema de referência parcial, um determinado contexto. . e uma sensibilidade subjetiva. Em resumo, diz-nos que não existe silêncio e que existe uma infinidade de silêncios, uma variedade infinita de silêncios.

Na verdade, se você ouvir com atenção, logo perceberá que a vida de todos nós é um tecido tecido a partir de silêncios muito variados e que a literatura não é muito diferente nesse aspecto – quer você pense, por exemplo, e ao extremo caso a definição de Eco (2004, 27) do texto literário como uma “máquina preguiçosa” que exige que o leitor preencha o que permanece não dito. O silêncio do inefável não coincide com o da contenção ou da omissão; os “silêncios culpados” e os “silêncios sagrados” que André Neher identifica na Bíblia (Neher 1970, 17) são abertamente contestados; o silêncio da censura e o da autocensura não operam com a mesma profundidade ou da mesma forma e às vezes não silenciam os mesmos sujeitos. Há silêncios de paz e silêncios de pânico, há silêncios de modéstia, vergonha e respeito; há silêncios de falta de emoção e outros, pelo contrário, de excesso de emoção. Silêncios silenciosos e silêncios falantes.

David Le Breton sem dúvida compreende a razão deste aparente paradoxo, que consiste na extrema pluralidade dos “sem voz”, quando observa que o silêncio “é um sentimento, uma modalidade de significado, e não uma medida da sonoridade do ambiente” (1997, 22). ).

A noção de silêncio não é, portanto, nem inequívoca nem estável, como evidenciam estudos muito diversos como a História do Silêncio, de Alain Corbin (2016) traçada entre os tempos modernos e contemporâneos, ou a análise do papel do silêncio na Grécia antiga proposta por Silvia Montiglio, que nos alerta imediatamente contra qualquer simplificação: “Nenhuma generalização pode ser aplicada com segurança ao conceito de silêncio. […] Se o silêncio é um conceito culturalmente específico, pode-se esperar que o seu significado mude não apenas de civilização para civilização, mas também dentro da mesma civilização ao longo do tempo” (2020, 4).

Se quisermos tentar dar voz a estes silêncios sem que esta imensa multidão tome a forma de um barulho de vozes indistintas, devemos necessariamente limitar o nosso campo de investigação. É por isso que o Centro de Estudos Clássicos da Universidade de Lisboa decidiu organizar um colóquio internacional sobre um aspecto particular do tema do silêncio na literatura clássica e comparada: o silêncio de Deus(es).

Exemplos não faltam na história da literatura: desde o deus egípcio Harpócrates – mencionado por Plutarco, Catulo, Ovídio, Santo Agostinho e Policiano, entre outros (Gaisser 1993, 72) – até às deusas romanas Angerona e Tácita (Dubourdieu 2003 ), do Deus – Logos do Evangelho de João ao silêncio de Jesus apesar das acusações em Marcos 14:60, dos raros silêncios dos deuses muito falantes dos poemas homéricos ao “Eterno Todo-Poderoso e Terrível [qui] estava em silêncio” – através da inexistência, morte ou ausência – nesta primeira noite em que Elie Wiesel chega a Auschwitz (Wiesel 2007, 77), a relação entre divindade e silêncio promete ser multiforme e complexa.
Esta relação, para dizer a verdade, promete ser duplamente multifacetada e complexa. Porque a variabilidade cultural e subjetiva, bem como a oscilação conceitual, afetam não apenas o conceito de silêncio, mas também o do eu divino. Os argumentos de Cage e Sontag adquirem então uma ressonância mais rica e um alcance maior.

É esta riqueza e amplitude que o nosso simpósio gostaria de explorar através do prisma dos estudos literários, comparativos e filosóficos.

Bibliografia:

Gaiola, John. 1961. Silêncio: palestras e escritos. Hanover: Wesleyan University Press.
CORBIN, Alan. 2016. História do Silêncio. Do Renascimento ao presente. Paris: Albin Michel.
Dubourdieu, Annie. 2003. “Divindades da Fala, Divindades do Silêncio na Roma Antiga”, em Revue de l’histoire des Religions, Vol. 220, No. 3, 259-282.
Eco, Umberto. 2004. Leitor em fábula, trad. Myriam Bouzaher. Paris: Grasset.
GAISSER, Julia Haig. 1993. Catulo e seus leitores da Renascença. Oxford: Clarendon Press.
LeBreton, David. 1997. Silêncio. Paris: Edições Métailie.
MONTIGIO, Silvia. 2020. Silêncio na Terra do Logos. Princeton: Princeton University Press.
Não, André. O exílio da fala. Do silêncio bíblico ao silêncio de Auschwitz. Paris: limiar.
Sartre, Jean-Paul. 1951. O Diabo e o Bom Deus. Paris: Gallimard.
Sontag, Susana. 1969. “A Estética do Silêncio” (1967). Em Estilos de vontade radical, Londres: Secker & Warburg, p. 3-34.
Wessel, Eli. 2007 [1958]. A noite. Paris: Edições de Minuit.

As propostas de comunicação deverão ser enviadas em formato word até 15 de julho de 2023 para o endereço eletrônico: [email protected]

Eles devem incluir o seguinte:

Nome do autor
Conexão institucional
Título da comunicação
Resumo (aproximadamente 300 palavras)
5 palavras-chave
Currículo acadêmico curto (máx. 150 palavras)

Os autores dos artigos aceitos serão notificados até 31 de agosto de 2023.

A comunicação não demorará mais de 20 minutos.

O prazo de inscrição para a conferência é 30 de setembro de 2023.

Idiomas de comunicação: Francês, Inglês, Português.

Taxa de inscrição: 100€ (Estudantes: 50€)

Calendário:

31 de julho de 2023 : Prazo para envio de propostas

31 de agosto de 2023 : Prazo para notificação das propostas aceites

30 de setembro de 2023 : Prazo final para inscrição

23 a 24 de novembro de 2023 : Colóquio

Organização :

Centro de Estudos Clássicos (Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa)

Este trabalho é financiado com fundos nacionais através da FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia), através do projeto UIDB/00019/2020

Fernão Teixeira

"Criador. Totalmente nerd de comida. Aspirante a entusiasta de mídia social. Especialista em Twitter. Guru de TV certificado. Propenso a ataques de apatia."

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *