“Catarina e a Beleza de Matar Fascistas” de Tiago Rodrigues

©Filipe Ferreira

A mesa festiva está posta. Na ponta da mesa, um homem calado em trajes citadinos contrasta com os personagens sentados ao lado do jardim, de frente para o público. Os atores vão e vêm silenciosamente diante da entrada dos espectadores, trocam algumas palavras. A ação decorre no sul de Portugal, no jardim de uma charmosa casa de madeira, no campo. Vestida com longas túnicas, os personagens nos remetem diretamente à cultura popular tradicional, eles também lembram Pimenta de São Tomé e Príncipe, ex-colônia portuguesa.

Nós estamos indo para baixo na história conduzido por um narrador que nos imerge em sentimentos cheios de estranheza e que hoje ou então dificilmente se expressam de uma forma completamente diferente, a do código de honra. Quem é essa família misteriosa que parece estar esperando por uma de suas filhas e prepara um obscuro ritual? Todos os personagens se chamam Catarina, flutuamos entre história, superstição, azar e pesadelo.

A reunião da família acontece perto da vila de Baleizão, no sul de Portugal, onde sua ancestral Catarina Eufémia, um ícone da resistência ao regime fascista que governou Portugal de 1933 até a Revolução dos Cravos em 1974, foi assassinada. Desde então, todos os anos a família se reúne nesta terra e comemora o assassinato, a execução de um fascista. Hoje é a vez de uma das mais novas e queridas da família, Catarina, matar o seu primeiro fascista, como rito de passagem. O refém, esse homem à paisana, escreveu os discursos venenosos do primeiro-ministro.

©Filipe Ferreira

Catarina se atrasa, (Beatriz Maia), se posiciona diante do homem que lhe é trazido para executar, mas muda de ideia. Contra a tradição familiar ela não pode e não quer fazer este gesto e abre uma brecha na justiça própria e na lei da retaliação. Este dia de festa e matança, de tradição e beleza, desmorona e se abre para as diferenças familiares.Não tenhamos medo da morte, tenhamos medo de uma vida inútil… » As conversas são sobre democracia, sob o olhar de Catarina Eufémia, uma fantasma, que conversa com o fascista. Tiago Rodrigues comprime o tempo entre o passado e o futuro e, através desta metáfora, leva-nos a questões atuais, incluindo as da violência política e ascensão da extrema-direita, populismo e demagogia. A família se desfaz e encena sua própria morte. A fuga do refém, uma figura da ditadura em formação que infelizmente nos dá um discurso muito atual e ofensivo, uma atuação do ator (Romeu Costa) que abala o espectador.

Estão em agenda quatro espetáculos de Tiago Rodrigues, autor, encenador e novo encenador do Festival d’Avignon, dois dos quais integrados no Festival d’Automne – O Coro dos Amantes que nós percebemos Tanto para o impossível relatando as histórias de ativistas humanitários, entre as linhas, um texto manifesto para um ator sozinho no palco. Do Catarina e a Beleza de Matar Fascsvocê, temos a ilusão de uma história à espera de sua princesa, em um ambiente cenográfico aconchegante e a beleza dos personagens. Descobrimos almas negras, esquemas maquiavélicos e a besta negra do fascismo rastejando na mente das pessoas. Ionesco e seu rinoceronte não estão longe.

Catarina e a Beleza de Matar Fascistastexto e encenação de Tiago Rodrigues, de 7 a 3 de Outubro no Théâtre des Bouffes du Nord em Paris.

Alberta Gonçalves

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