Mulheres, literatura e autoritarismo nos países de língua portuguesa

Autor, autoridade, autoritário. Três palavras com a mesma raiz, “autor”, aquele que produz, pessoa que está na origem de algo, criador, criador, seja uma obra, um comando ou um comando sem impor limites. Os termos deslizam assim de um para outro numa transformação significativa, especialmente do ponto de vista político. Um autor pode provocar grandes mudanças num regime político através do seu trabalho? Ou a obra permanece uma representação da realidade ou um contraponto a ela? Poderia haver outra literatura além da literatura comprometida, porque está ancorada em seu contexto? Como você escreve sob um regime autoritário, sob censura e sob ameaça de prisão e morte? E se esta autora for uma mulher, quais são as questões específicas da sua condição ao longo do tempo?

Aqui estão algumas questões que nos inspiraram a organizar a conferência internacional “Mulheres, Literatura e Autoritarismo nos Países de Língua Portuguesa”. Dito isto, o evento também fortalece a cooperação internacional com Brasil e Portugal, iniciada pelo Sistema Bourgeon (CILIPO-FP – Natália Guerellus/ORCO2C – Christian Côte). Os países de língua portuguesa caracterizam-se efectivamente pela presença dos mais diversos regimes autoritários, desde a ditadura de Vargas, inspirada nos regimes fascistas europeus, passando pela longa ditadura salazarista – a mais longa da Europa -, até à ditadura civil – o exército brasileiro e pelos governos de matriz autoritária da África pós-colonial e da Ásia. Juan Linz (2006), uma das referências mais importantes para pensar o autoritarismo nas décadas de 1960/70, tenta não confundir estes regimes com o totalitarismo, representado na sua época pelo fascismo italiano, pelo nazismo e pelo comunismo soviético. No entanto, o contexto dos países de língua portuguesa é muito diferente, com idiossincrasias que têm levantado questões nos estudos comparativos a nível europeu. O argumento que demonstra a ausência de um “partido único”, por exemplo no caso português, tem sido utilizado há muito tempo como elemento de diferenciação entre o partido português e os países fascistas (Pinto, 1990), atingindo mesmo a afirmação de Enzo Colloti segundo para a qual “faltou à formação do regime em Portugal um verdadeiro processo de mobilização das massas, e em particular uma pseudo-revolução: o regime era deliberadamente conservador” (apud, Pinto, 1990, 701).

Contudo, a intersecção da ciência política com a história dos regimes autoritários e dos estudos de género é bastante recente, remontando à década de 2000 (Del Priori, 2006; Pinsky, 2012; Honório, 2014). É claro que isto não significa que as mulheres não se manifestaram em tempos de ditadura. Pelo contrário, participaram em mobilizações políticas, na resistência quotidiana, no apoio a grupos clandestinos, na busca contínua de corpos desaparecidos em contextos ditatoriais. Com efeito, as mulheres têm representado a sua realidade política, através da literatura, das artes visuais, da dança, do teatro e do cinema (Figueiredo, 2017; Macedo & Oliveira, 2022). No que diz respeito à França da década de 1970, não podemos esquecer a força dos movimentos de mulheres expulsas das ditaduras latino-americanas, mas também da grande onda de imigração portuguesa. Na altura, eram 800 mil portugueses e portuguesas que chegaram a França para escapar à ditadura salazarista, à crise económica e às guerras coloniais. A década de 1970 foi, de facto, uma época de emergência de numerosos movimentos de mulheres no Ocidente e marcou a aceleração do processo de feminização de espaços percebidos como masculinos, como o mundo do trabalho, a política e as práticas culturais (Donnat, 2005; Rago, 2001 ;Daumas, 2019). A ascensão dos movimentos de mulheres em França é, portanto, também o resultado do intercâmbio e da comunicação com vários movimentos de mulheres estrangeiros, o que mostra o interesse em pensar a experiência feminina do autoritarismo, manifestada num contexto democrático (Abreu, 2016) num sentido lato.

A Conferência Internacional “Mulheres, Literatura e Autoritarismo nos Países de Língua Portuguesa” pretende reunir em Lyon especialistas, homens e mulheres, sobre esta temática no contexto português, brasileiro e africano, bem como testemunhos de artistas que viveram ou estão ainda vivendo sob as consequências do autoritarismo.

Programa

13-10-2023

13h45: Bem-vindo

14h00: Apresentação de Conceição Coelho (Université Lumière Lyon 2) e Natália Guerellus (Université Jean Moulin Lyon 3)

14h15 – 15h: Depoimento em conferência: Eurídice Figueiredo (Universidade Federal Fluminense – Brasil) Mulheres e ditadura: escrever é (também) uma forma de resistência

15h00 – 15h30: intervalo para café

15h30 – 17h30: Mesa redonda “Mulheres e escrita literária em contexto ditatorial”

Maria Teixeira (Universidade Paris-Sorbonne)

Publicações feministas brasileiras exiladas e francesas da década de 1970

Simele Soares Rodrigues (Universidade Jean Moulin Lyon 3)

Muitos escritos sobre as palavras de Vargas: o caso do Deops de São Paulo

Érika Cardoso (Universidade Federal Fluminense)

Não há censura a nenhuma declaração militar: no caso de Cassandra Rios

Paulo César Gomes (Universidade Federal Fluminense)

Vanna Piraccini: entrega-se e diz-se

17h30 – 18h30: Depoimento na conferência: Márcia Tiburi (filósofa, exilada na França)

Literatura e engajamento político.

14/10/2023

8h45: Bem-vindo

09h00-10h10: Mesa redonda “Mulheres, literatura e autoritarismo contemporâneo”

Angélica Amâncio (Universidade de Poitiers)

Violência genética e intermediária na escrita feminina contemporânea

Sandra Assunção (Universidade Paris Nanterre)

“A questão negra no Brasil”, de Lélia Gonzalez: discutindo questões raciais durante um ditado militar

10h10-10h30: coffee break

10h30 – 12h00: Mesa redonda “Pensar a ditadura, viver a democracia”

José Manuel Esteves (Universidade Paris Nanterre)

A voz libertadora e rebelde de Maria Teresa Horta: Minha senhora de mim (1971) e Anunciações (2016)

João Carlos Pereira (Universidade Lumière Lyon 2)

Carolina Loff como nova personagem em Cartas Vermelhas de Ana Cristina Silva e O Enigma de Zulmira de Vasco Graça Moura: da história historiográfica à história literária

Rosa Maria Sequeira (Universidade Aberta – Portugal)

Não há mulheres e questionamentos sobre as normas: é importante que sejam utilizadas as novas Cartas Portuguesas.

12h00-13h00: Testemunho da conferência: Ana Mafalda Leite (Universidade de Lisboa – Portugal)

Uma poesia como forma de resistência e liberdade de escrita para muitos africanos.

13h00: Encerramento.

Alberta Gonçalves

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