Em Londres, Ai Weiwei se expõe como “dissidente da inconsciência humana”


Não gosta de se limitar a conceitos estreitos: o artista chinês Ai Weiwei, muitas vezes apresentado como um dissidente político, vê-se antes como um “dissidente do subconsciente humano”, que denuncia numa exposição em Londres com instalações monumentais inéditas.

Esta exposição, batizada de “Making Sense”, é a maior do artista na capital britânica em oito anos. Abre de sexta a 30 de julho no Design Museum.

Muitas obras são ali apresentadas ao público pela primeira vez, questionando o sentido que damos aos objetos, o que eles dizem sobre a nossa história, em especial a da China, que Ai Weiwei teve de deixar em 2015 por demasiadas críticas exercidas sobre o governo .

“Design é uma palavra relacionada a todas as atividades humanas, e todo o meu trabalho gira em torno dessa ideia de design”, explica Ai Weiwei à AFP.

De facto, o artista desvenda trabalhos em que os objectos, alguns dos quais coleciona pacientemente há décadas, são desviados da sua utilização primária como material para a construção de obras que nunca deixam de ter uma mensagem política.

Assim, esta reinterpretação de uma das pinturas da famosa série Water Lilies de Claude Monet com 650.000 peças de Lego, e na qual Ai Weiwei adicionou uma sombra negra.

Representa uma porta para a província de Xinjiang, onde a China foi acusada de violar os direitos humanos das minorias muçulmanas. Ai Weiwei e seu pai, o poeta Ai Qing, reverenciado pelos ex-líderes comunistas antes de ser reprimido pelo Partido Comunista, viveram lá no exílio por alguns anos quando ele era muito jovem.

No chão há um enorme retângulo feito de massas de cacos de porcelana chinesa azul. São esculturas que foram destruídas no ateliê do artista durante o desmonte pelas autoridades em 2018.

Um pouco mais adiante, centenas de milhares de bicos de bules feitos à mão há mais de 1.000 anos estão espalhados pelo chão, ilustrando a antiguidade da produção de porcelana na China.

– China “brutal” –

“Todas as coisas que Ai Weiwei coletou ao longo dos anos representam tantas evidências de diferentes histórias, diferentes momentos culturais da história da China”, explica Justin McGuirk, curador da exposição.

“Ai Weiwei sempre consegue criar a partir da destruição e brinca com a ideia de construção, o que muitas vezes ressoa com o que está acontecendo na China”, acrescenta.

O artista não está muito otimista com os rumos que seu país de origem tomou. “A China não está se tornando uma sociedade mais civilizada, mas mais brutal contra todos com ideias diferentes”, lamenta Ai Weiwei, que considera “naturais” as novas tensões entre o gigante asiático e o Ocidente.

“A China sente que tem o poder e o direito de redefinir a ordem mundial”, que pode “desempenhar um papel importante na mudança das regras definidas pelo mundo ocidental”, acrescentou.

Mas a China não é o único alvo do artista. Duas enormes cobras feitas de coletes salva-vidas e mochilas são dedicadas aos refugiados que morreram tentando chegar à Europa nos últimos 20 anos.

E o artista revela novas versões de suas famosas fotos de dedos médios tiradas em frente a símbolos de poder ou cultura, como o Palácio de Westminster em Londres, a Torre Eiffel em Paris ou a Trump Tower em Nova York.

Mais do que um dissidente chinês “Sou um dissidente da inconsciência e da injustiça humanas”, proclama Ai Weiwei.

“A Europa conheceu a paz nos últimos 70 ou 80 anos, mas muitos problemas surgiram ou desenvolveram-se durante este período. (…) As condições humanas não são boas e a liberdade de expressão provavelmente também está em perigo”, acredita o artista, que se descreve como um eterno “outsider”, agora radicado em Portugal, depois de ter vivido nos Estados Unidos, China ou Alemanha.



Alberta Gonçalves

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