Pelo menos 4.815 menores foram vítimas de violência sexual no seio da Igreja Católica portuguesa desde 1950, concluiu esta segunda-feira uma comissão independente, que ouviu mais de 500 testemunhos no ano passado.
“Estes testemunhos permitem-nos chegar a uma rede de vítimas muito maior, calculada no número mínimo de 4.815 vítimas”, afirmou o coordenador desta comissão de peritos, o psiquiatra infantil Pedro Strecht.
“O relatório publicado hoje expressa uma dura e trágica realidade. (Acreditamos, no entanto, que a mudança está a caminho”, reagiu o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), o bispo de Leiria-Fátima José Ornelas.
“Pedimos perdão a todas as vítimas”, disse, referindo-se a “uma ferida aberta que nos fere e nos envergonha”.
Os bispos portugueses vão reunir-se a 3 de março para tirar as conclusões do relatório independente e anunciar “medidas concretas” para “impedir a repetição de qualquer tipo de violência”.
Durante duas horas, os membros da comissão de especialistas apresentaram, de forma às vezes crua e detalhada, as lições tiradas dos 512 testemunhos validados, mas também de suas pesquisas nos arquivos da Igreja e de suas entrevistas com seus responsáveis máximos.
– Histórias “familiares” –
“Infelizmente, a magnitude dos números e as histórias são muito familiares para nós, porque já as ouvimos de todo o mundo”, comentou o jesuíta Hans Zollner, membro da Pontifícia Comissão para a Proteção de Menores e diretor do Instituto de Antropologia para a Prevenção do Abuso, com sede em Roma.
Mas o trabalho da comissão independente portuguesa é também “um sinal de que a Igreja é capaz de enfrentar esta ferida profunda”, acrescentou após assistir à apresentação do relatório em Lisboa.
Diante dos milhares de casos de violência sexual por padres descobertos em todo o mundo e acusações de acobertamento por membros do clero, o Papa Francisco prometeu em 2019 travar uma “batalha total” contra a pedofilia dentro da Igreja.
O Bispo de Leiria-Fátima José Ornelas Carvalho (l) abraça a manhã do psiquiatra infantil Pedro Strecht na Fundação Gulbenkian em Lisboa, 13 de fevereiro de 2023 / AFP
Previsto na capital portuguesa para as Jornadas Mundiais da Juventude que decorrerão no início de agosto, o soberano pontífice poderá encontrar vítimas, indicou recentemente o bispo auxiliar de Lisboa, Américo Aguiar, responsável pela organização deste encontro mundial. jovens católicos.
No final de 2021, a hierarquia da Igreja portuguesa tinha encomendado uma comissão de peritos independentes para fazer o balanço do fenómeno da pedocrime, à semelhança do que já foi feito em países como a Alemanha e a França.
– “Difícil de falar” –
“A maioria das pessoas que ouvimos considera que não há reparação possível. Mas aguardam um pedido de desculpas do agressor ou da Igreja como instituição”, explicou o coordenador da comissão.
Quase todos os crimes denunciados à comissão independente já prescreveram, mas vinte e cinco depoimentos foram enviados ao Ministério Público, disse Pedro Strecht.
Entre esses casos raros está o de Alexandra, nome do meio de uma mulher de 43 anos que deseja permanecer anônima, estuprada por um padre durante a confissão quando ela era uma noviça de 17 anos que se preparava para a vida de freira.
“É muito difícil falar sobre o assunto em Portugal”, onde 80% da população se define como católica, disse esta mãe à AFP na semana passada.
“Eu guardei esse segredo por muitos anos, mas senti que estava ficando cada vez mais difícil administrá-lo sozinha”, disse ela em entrevista por telefone.
Esperando para ouvir quais passos os bispos vão tomar com uma mistura de esperança e ceticismo, Alexandra diz que o trabalho da comissão independente foi um “bom começo” para aqueles que buscam “derrubar o muro” de silêncio que os retém. há muito tempo cercado.

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